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terça-feira, 28 de setembro de 2010

ESCRIBAS DA ATUALIDADE

 
Em visita à Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, cidade natal do ex-presidente Itamar Franco (PPS), nesta terça-feira (28), a candidata à Presidência da República pelo PV, Marina Silva, afirmou que foi o candidato ao Senado, e não o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o responsável pela criação do Plano Real. Marina admitiu, no entanto, que o programa econômico teve continuidade pelas mãos de FHC, quando eleito presidente, e depois pelo Governo Lula” (Terra-Notícias, 28/09/2010).
 
Antes de a Imprensa ser inventada por Johannes Gutemberg (1398-1468), os livros eram editados por um método singular: um indivíduo se punha a ler determinado texto em voz alta, ditando-o para copistas especializados – ou escribas – que permaneciam, cada qual em seu assento, ouvindo o que lhes era ditado, para, em seguida, transcrever (ou quase...) esse conteúdo. Ocorria que, em meio à transcrição, cada copista também acrescentava ‘trechos’ seus ao texto copiado, de modo que, ao final da empreitada, poder-se-ía dizer que o resultado era em parte cópia, em parte acréscimo do escriba – que, assim, acabava tonando-se ‘autor coadjuvante’ do autor principal, previamente transcrito...Trocando em miúdos, um pouco daquela estória de que quem conta um conto aumenta um ponto...

Naquela época, é certo, bem poucos sabiam ler numa população dada; se os escribas de então se insinuavam nos textos que transcreviam, a verdade é que tal fato não era visto como ‘errado’ ou condenável, mas, de fato, era aceito com relativa ‘normalidade’. Entenda-se que a tradição oral, diante de um público essencialmente analfabeto, convive muito amigavelmente com a fluidez dos fatos narrados – isto porque, na tradição oral, ir à busca de registros (palavra escrita) é inútil: quem haveria de saber onde estão e como consultá-los...? E, em os achando, quem consegueria decifrá-los...? Portanto, dizer e/ou desdizer fatos poderia tornar-se uma escolha banal de momento, ditada pelo oportunismo do agora mais imediato entre os possíveis...

Populações analfabetas ou semi-analfabetas não desapareceram do mundo. Entre outras coisas, elas não têm nenhuma idéia sobre por que se diz que a História começou com a escrita...Quando se dignifica o não saber ler-e-escrever, dignifica-se o fazer de falas inconsistentes, que não se podem palpar, reter, retomar, entender melhor, refutar ou aceitar. Não podendo marcar o ponto de partida das coisas, um mundo sem escrita começa sempre do mesmo ponto, reinventando sempre as mesmas invenções, inúmeras vezes, como se fosse sempre a primeira...A estrada, aí, nunca sai do primeiro quilômetro...

Não me acode qualquer idéia mais específica sobre o porquê de a candidata Marina Silva, até agora digna de meu respeito, resolveu transcrever a história tão recente do Plano Real com a ambiciosa retirada do Ministro da Fazenda que o encabeçou, Fernando Henrique Cardoso, convidado pelo então Presidente Itamar Franco para assumir a pasta. Claro está que Fernando Henrique convocou uma equipe de economistas para efetivar o projeto a seu encargo – até porque ele próprio não era/é economista. Mas administrou eficientemente sua terefa, delegou com eficácia – de modo que, em 27/02/1994, com a publicação da Medida Provisória 434, deu início oficial a um programa brasileiro de estabilização econômica, conhecido como Plano Real.

Observe-se a cadeia dos fatos narrados acima e devidamente registrados em língua nacional, acessíveis a quem saiba ler e escrever algo além do próprio nome: um determinado presidente do Brasil (Itamar Franco) chama um indivíduo de nome Fernando Henrique Cardoso para ser seu Ministro da Fazenda, que, por fim, chama um grupo de economistas para idear e ajudar a pôr em prática um plano de estabilização econômica que obteve o resultado mais eficaz da história dos planos econômicos do Brasil – a ponto de ser seguido à risca nos dois mandatos do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que sobreviriam aos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil depois de Itamar Franco. Onde foi que Marina Silva se perdeu...? De que Plano Real ela está falando em seu discurso...? Será que, em breve, chamaremos Pelé de Maradona, por pouco importar quem é um quem é o outro...??

Há algo robótico no Brasil deste momento, que a indústria do analfabetismo de bucho semi-alimentado está, gostosamente, consolidando... Memória e escrita são duas entidades irmãs. Falar a um povo sobre um ocorrido que não irá ser devidamente comprovado por esse povo é reinventar, ao bel-prazer dos próprios interesses, a visão mais apropriada para cada instante da vida nacional – é tratar esse povo como não muito mais que gado.

3 comentários:

  1. Oi Vânia,

    Em verdade o Presidente Itamar ,obsessivamente ,perseguia o combate a inflação,como também as ações sociais porque sempre preocupou-se com o bem estar do ser humano.Como Prefeito então...nossa!
    Pena,que sejamos desmemoriados para ações políticas.Daí ,nosso desencanto.

    Em seu governo;também ,não me lembro todas:mas,algumas foram marcantes.
    Implantou o CONSEA(do Betinho)CONSELHO de ALIMENTAÇÃO; o NATAL sem Fome;A LOAS(LEGISLAÇÂO de AÇÃO SOCIAL);relançou o FUSCA(muitos criticaram)como ATRASO.Era o inicio de lançamento de CARRO POPULAR.
    A luz com tarifa diferenciada;por kwts -hoje o luz para todos...
    CEMIG e FURNAS (defendeu com "unhas e dentes".
    E mais a TAXA de veículos(dita ITAMAR) é que não foi devidamente explicada.Ela foi desmembrada para que tenhamos controle sobre o que se paga.Não houve aumento.Ao contrário,a taxa está sobre nosso controle .Pagamos menos,segundo informação da ex delegada SÔNIA PARMA.

    Mas,como as informações são muitas e êle é AVESSO a divulgação,acaba esquecido e levando fama errada


    Tudo é processo.Ainda bem,que o LULLA deu sequencia.

    Agora,creditar a ELLLES tudo de bom que temos agora;é apagar a historia do Brasil.

    Não é justo!

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  2. Oi Vânia,

    perdão:a questão que vc levantou foi Plano Real:começou com Paulo Haddad ;Krause,Eliseu Resende e depois a equipe do Fernando Henrique porque (haja Deus:pecados Veniais de Eliseu e Embaixador Ricupero)perto dos MORTAIS acontecimentos de hoje... tiveram que sair do governo.

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  3. Amigo Anônimo,

    Em nenhuma linha de meu texto há qualquer crédito dedicado a quaisquer elllllles pelo “tudo de bom que temos agora” - sejam quem sejam esses ellllllles que você aventou referir. Não tenho vínculos com elllles ou aquellllles, tenho compromisso comigo e com meus princípios, e gosto de ver com olhos livres, como disse uma vez Oswald de Andrade. Não sou dada a exaltações heróicas de quem quer que seja porque não acredito realmente em heróis, salvadores de pátrias, agentes messiânicos de qualquer paragem ideológica – política ou religiosa... Isso porque, por trás de um ‘salvador’, sempre mora um narcisista... Penso que o mundo precisa mais de indivíduos emocionalmente adultos do que de parelhas de pais eternos de filhos que não crescem nunca. Do mesmo modo, não sou ‘devota’ de Fernando Henrique ou de Itamar Franco – e em nenhuma afirmação minha os coloquei em lugar de ‘ídolos prediletos’; ao ler meu texto, não é difícil perceber esse fato. A dedução afoita foi sua.

    Como a História do Brasil ainda está registrada pela escrita, não é tão facilmente ‘deletável’ assim, caro amigo. Usando o método comparativo, que a Linguística me ensinou, e o gosto essencial que tenho pela leitura, não é difícil encontrar as letras de bons livros e artigos focados na matéria “Plano Real” – e lhe asseguro, as letras estão lá mesmo, nada ‘apagadas’...; varie as fontes (=autorias), use autores com um mínimo de consistência em sua formação, e você poderá driblar o risco de uma história (ou qualquer outro produto cultural) tornar-se ‘apagada’...

    Sem dúvida que ‘tudo é processo’. Nenhum fato, político ou não, despenca dos céus descolado de seu antes e de seu depois... Se você relembrar como se deu a construção do Canal do Panamá, saberá exatamente a que me estou referindo... Não neguei nenhum antes e nenhum depois do plano econômico oficialmente instituído em 1994; o plano Real teve uma fase de preparação planejada em 1993, e não desconheço esse fato; por outro lado, não afirmei, nem vi afirmado, que Fernando Henrique e o Plano Real fossem gêmeos siameses... - não afirmei nada parecido. O elenco de nomes por você referidos é descritivo, sim, do processo de confecção do Plano Real, que, ora bolas, não começou com um fulminante grito de “Eureka!!” do famigerado Ministro da Fazenda de Itamar...! Eu sei bem que ‘processo é processo’ – mas estou me perguntando, de fato, se você, realmente, também sabe...

    O que faz de um processo ‘processo’ é o encadeamento de suas fases, como os elos de uma corrente. Nenhum elo pode faltar. Esse foi o motivo de meu texto. Gosto de cada coisa no seu lugar. Se, como na peça de Ionesco, uma comunidade começa a se transformar em rinocerontes, não vou fingir que nada de novo está acontecendo... Quando você tem olhos abertos e aceita não acreditar em Papai Noel algum, relaxe, porque a História não se apaga com tanta e ingênua facilidade...

    Vania.

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