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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MÍDIA EXPIATÓRIA

" ‘Neste governo, publica-se o que quiser. A imprensa é livre, o que não quer dizer que [sic] é boa’. (...) Sem a regulação, o setor vira ‘terra de ninguém’ ” (Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social). Estadão.com.br | 07 de outubro de 2010 | 16h 29.

A imprensa é livre, o que não quer dizer que seja boa... Que está havendo, pessoas? Que quer dizer, exatamente, um ministro de comunicações afirmar que o fato de a imprensa ser ‘livre’ não quer dizer que seja ‘boa’...? Estamos num regime de autoritarismo tal que o ministro de comunicações decide, em fala 'lapidar', se a imprensa é ‘boa’ ou ‘ruim’...? Um indivíduo??? Que há com as verdades desses governantes e administradores auxiliares, que se fundam empertigadamente unilateriais e repressivas?? Que noção têm eles de verdade? Verdade ‘única’, verdade de seus ‘donos’ e poderosos proferidores?? Verdade é algo que se deve pré-estabelecer/ditar para, então, ser repetido, roboticamente, como ‘verdade’...?? Vem de uma boca só, de um cérebro só, de um padrão só de ser...??! Devem ser vistos, os cidadãos, como bocós produzidos e alimentados em ‘escala industrial’, inclusive no que tange à alimentação cognitiva e cultural...?? Teremos um index papal, a nos dizer que textos devem ser proscritos, porque não ecoam as verdades ratificadas pelos avatares redentores do Brasil...?? Bem, se for assim, não será novidade.

Convivemos (para apenas lembrar o passado próximo) com a censura parida pelo Golpe Militar de 1964 por cerca de vinte anos – o beabá dessa cartilha notadamente autoritária ainda se guarda em memória fresca – livros proibidos de serem usados nas escolas, ou expostos em bibliotecas, ou vendidos em livrarias...; filmes vetados; peças teatrais vetadas; letras de músicas amordaçadas; jornais ostentando receitas de bolo para indicar “aqui jaz um desejo de notícia impedida de sair...”.

Faz bem pouco tempo, minha gente. Pouco tempo demais, para o meu gosto...Nasci na ditadura militar. Não sou rica, nem política, mas cidadã eu sou. Não elegemos governantes para que nos digam o que deve ser lido e ouvido como ‘verdade’, e o que não. Porque não elegemos gurus, orientadores espirituais, padres da nossa comunidade. Está faltando precisão nos modelos e nas condutas brasileiras deste instante de nossa história, eis aí.

Vamos definir um pouco as coisas? Pois bem, falemos primeiro da suposta ‘falta de regulação’ da imprensa, que a faria virar ‘terra de ninguém’. ‘Regulação’, num sentido geral, remete a algo chamado lei. Será mesmo que a imprensa está ‘solta’, no ‘velho oeste’ da palavra escrita e noticiosa, empunhando seus revólveres malevolentes contra os pobres seres ‘verdadeiros’ que despencaram diretamente do paraíso celeste aqui para nossa Terra de Vera Cruz...? Não, não é verdade. Existe algo chamado Código Penal Brasileiro; também um Código Civil Brasileiro, para começo de conversa. O Código Civil regulamenta os direitos civis em geral; direito civil se opõe a direito público – a imprensa livre é de autoria civil; o Diário Oficial, por outro lado, constitui imprensa pública. O Código Penal indica o que se considera delito penal, crime ou contravenção: quer dizer, se você fizer alguma coisa do jeito que está descrito nesse código, você é ‘enquadrado’ por aquele tipo penal (=a descrição do ato proibido). Também aqui, temos um código (e algumas leis complementares a ele) que descreve situações gerais que devem ser vistas como crime.

A imprensa é, em si mesma, um grande conjunto de vozes que, fundamentalmente, tem por objetivo a notícia. Ao noticiar fatos e/ou comentá-los, desde logo, há limites impostos pelo direito civil e pelo direito penal aos órgãos noticiadores – noutros termos, há parâmetros legais prévios para a atividade jornalística, na medida em que imprensa e jornalistas compõem a sociedade cidadã do país, e, como tais, devem obedecer os preceitos civis e penais de base, em vigor.

Mas há algo mais, de importante, para além e aquém da questão regulatória (=legal) da imprensa. Trata-se da própria definição de notícia, e comentário de notícia, alma desse fazer jornalístico.

O termo notícia vem do latim notitia, =‘fato que se faz conhecer, notar, perceber’; ‘noção, idéia’; ‘documento’. A notícia refere-se a fatos que são trazidos à percepção, da forma como foram colhidos – vêm à baila justamente para serem averiguados, e, por definição, tratam de indícios, dados iniciais, e não de conclusões finais (ao menos quando um tema novo aparece). Não haveria sentido em termos imprensa (livre) se ela só devesse noticiar os portanto de todas as coisas...! O órgão julgador final do Estado chama-se poder judiciário – é ele que decide as lides, os impasses sobre o que fere ou não fere as leis. A Imprensa não é órgão julgador, é órgão divulgador, a rigor, de indícios de fatos, que, então, devem ser averiguados e, eventualmente, julgados pelo poder competente.

Portanto, e por deus, chega dessa palhaçada de ‘sugerir’ que toda a imprensa nacional dever-se-á transformar em Diário Oficial...(!!). “Imprensas oficiais”, por natureza, cospem ‘versões oficiais’ sobre nós-surdos-cegos, que é em que sempre nos transformamos, quando qualquer tipo de censura é imputada sobre os órgãos de informação. Se alguém se sente lesado em seu direito, em virtude de uma ‘falsificação da verdade verdadeira’, operada pela imprensa, faça como sempre se fez: requisite a ação do judiciário, como todos os humildes mortais têm de fazer quando se vêem analogamente lesados em seus direitos. Calar a imprensa antes dela se pronunciar, com censura, é querer estar acima da lei - algo típico de Estados que devem ser devidamente nominados como Ditaduras ou Estados de Exceção.

2 comentários:

  1. EXCENTE! vou repassar!
    sigalith

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  2. Mara Gengo9/10/10 07:30

    Como é "bom" ´para mim` poder escolher o que ler ou ouvir, como é "bom e importante ´para mim` fazer parte das pessoas que acreditam e lutam pela liberdade de maneira inteligente. Parabéns Vânia suas palavras nos faz crescer enquanto cidadãos é uma aula. bjs.

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